Apaixonar-se por quem nunca te escolhe: repetição ou esperança?
Não há nada mais familiar do que esse abismo: desejar intensamente alguém cuja bússola afetiva nunca aponta na sua direção. Esse alguém, quase sempre, é gentil o suficiente para não te expulsar, mas ausente o bastante para nunca te escolher. E é nessa zona de ambiguidade — entre o afeto possível e o impossível — que o desejo instala sua armadilha mais refinada.
Você se apaixona por quem jamais se compromete, mas que também não vai embora. E repete. Não por acaso, mas por estrutura. Porque a esperança — essa palavra bonita com cheiro de virtude — muitas vezes é apenas o nome nobre que damos à repetição do trauma.
Lacan diria que todo encontro amoroso carrega o eco daquilo que não tivemos. Nos apaixonamos não exatamente por alguém, mas por uma cena: a da espera que se reinstala, do quase que nunca se realiza, do amor que precisa ser conquistado com provas infinitas. E cada ausência do outro reafirma, paradoxalmente, a legitimidade do nosso afeto. Como se a recusa fosse um teste de fé — e o amor, uma penitência que valida nossa existência.
Quantas vezes você vai precisar não ser escolhido para acreditar que merece ser amado?
O amor não correspondido não é, necessariamente, um erro do outro. Muitas vezes, ele responde a um script interno em que amar é sinônimo de se esforçar demais, esperar demais, suportar demais. E se o outro sempre parece desinteressado, isso talvez diga menos sobre o outro do que sobre o lugar que você aprendeu a ocupar: o da criança que implora amor com desempenho.
Repetir esse padrão não é só insistência afetiva. É fidelidade a um sofrimento antigo que você nunca nomeou. Porque desistir de amar quem nunca te escolhe significaria, também, trair a história psíquica de onde esse desejo nasceu. Ser escolhido pode parecer desconfortável demais. Estranho demais. Rápido demais. Como se o amor, para ser verdadeiro, precisasse sempre do obstáculo, da humilhação e da dúvida.
Como romper esse ciclo sem amputar o desejo?
Identifique o padrão: Há uma diferença entre amar alguém e amar a sensação de estar apaixonado. Muitas vezes, você está vinculado à falta, não à pessoa.
Reconheça a fidelidade inconsciente: O afeto não correspondido pode ser um elo com uma figura primária que também não te escolheu emocionalmente.
Desidealize a espera: O amor maduro não se constrói em torno de testes e provas. Reciprocidade não é milagre — é critério.
Dê nome à vergonha: Há uma vergonha íntima em desejar quem não nos deseja. Nomeá-la é o primeiro passo para não agir sob sua lógica.
Treine a presença: Ficar onde há presença, mesmo que falte ideal, é um exercício psíquico. É dizer sim ao real — não ao fantasma.
Apaixonar-se por quem nunca te escolhe é um modo elegante de nunca ter que lidar com a presença real de alguém. É manter o desejo aceso sem nunca correr o risco de amar de verdade. É, no fundo, uma esperança que evita o encontro — e uma repetição que parece amor, mas é só um eco de ausência antiga.